atopos
segunda-feira, 30 de abril de 2012
domingo, 29 de abril de 2012
sábado, 28 de abril de 2012
sexta-feira, 27 de abril de 2012
649 - das condições de leitura, 49
intermitências, de cristiane lindner
“com
sua força frágil, com seu débil insistir, a intermitência desfaz a essência”,
escreve uelga josé-josé em seu tratado sobre o soluço, publicado no final do
século XVI. que a vida sensível – isto é, ao menos deste modo em que a vida pode
ser entendida ou ficcionalizada – se a-presente por meio de pulsações,
repetições, cintilações, ritmos indomesticáveis de aparecimento e
desaparecimento, enfim, isso apenas reforça um pensamento não essencialista da
existência. intermitências (2016) é o mais recente trabalho de cristiane
lindner. considerado como uma sequência das explorações de meu coração,
looping (2015), o vídeo é menos uma obra acabada do que uma documentação das
experiências da artista durante uma residência em ribeirão preto, interior de são paulo, no final do último semestre.
e nesse sentido, quer dizer, como documento, o vídeo não deve ser entendido
como peça autônoma: segundo a artista, ele é “desde já um ponto, apenas, numa
rede de outros elementos, todos eles articulados”. com efeito, intermitências foi pensado como parte de uma
instalação que traria documentos a respeito do tradicional ciclo do café e da monocultura
industrial da cana-de-açúcar, com imagens de boias-frias e outros trabalhadores
rurais, assim como referências às primeiras famílias produtoras de cerveja
artesanal na rica cidade (há tempos, como se sabe, um importante centro da
indústria cervejeira no país), em sua maioria famílias modestas de imigrantes italianos.
o vídeo é ao mesmo tempo explícito e enigmático: como se numa noite cerrada sobre
a terra e ao som ritmado de (quem sabe) sapos coaxando surgissem pequenas
luzes que cintilam ao longe, relâmpagos silenciosos ao acaso e uma ondulação
que vagamente desloca o latifúndio interiorano para as vagas de um oceano
aberto (quanto a isso, é notável a inflexão que investe uma genealogia filosófica
e crítica que passa por nietzsche, benjamin, bataille, didi-huberman, agamben
etc.). lido em constelação com os demais documentos da instalação,
aponta, talvez, para uma sorte de eterno retorno, para o que insiste na
história ou contra ela – entre a violência do “progresso” e a necessidade de
reparação – e toca intimamente os corpos, as existências. extremamente desigual
na distribuição de sua riqueza (o que se vê na proliferação tanto de
condomínios de luxo como de miseráveis nas ruas), ribeirão preto encontra singular
sobrevida no trabalho de cristiane lindner: a oportunidade, a exigência no
mínimo tempo de um pulso, de um soluço, de um relâmpago, de uma voz qualquer colada
à terra, recontando a história.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
648 - das condições de leitura, 48
monstros, de cristiane lindner
como
se sabe, a genealogia dos bestiários é vária e antiquíssima; nela, ovídio ofereceria
apenas um dos começos possíveis, já que retoma referências metamórficas anteriores.
quer dizer, com faturas e acabamentos bem distintos, muitos trataram das
bestas, dos monstros, transformando-os numa sorte de topos para o
pensamento do limiar. em uma de suas mais frequentes experimentações com uma
linguagem que transita entre a escultura, a toy art e o artesanato com
tecidos, cristiane lindner parece propor um diálogo produtivo com essas figuras
que, desde a noite dos tempos, tecem ficções especulativas sobre os contágios entre
espécies, esferas, imagens, explorando os limites do
humano – e as limitações do humanismo – através de figurações do impróprio e
do indomesticável. os monstros de cristiane lindner apresentam
com recorrência alguns aspectos notáveis: ausência de cabeça e, portanto,
ausência de um corpo que possa ser reduzido a qualquer imposição capital;
pluridirecionalidade e falta de simetria nas estruturas que, a rigor, são assim
apenas debilmente estruturadas; distanciamento de qualquer semelhança estritamente
antropomórfica, o que vale também para as dimensões e cores utilizadas. significativo,
ainda assim, é o fato de a artista ter manifestado vivo
interesse pelo interior do corpo humano (daí as pranchas com ilustrações,
algumas de cunho científico), assim como pelas
teorias da antropofagia. tal interesse pode ser perfeitamente destacado também em
outros trabalhos, como em sua vídeo-performance meu coração, looping.
como inicialmente os bichos de lygia clark, os monstros
devem ser manuseados. as crianças parecem ser especialmente seduzidas por essas formas pouco óbvias, testando a maciez e a aspereza
dos tecidos, a firmeza e a plasticidade dos enchimentos, enfim, a familiaridade
e a perturbação do encontro com aquilo que desvia a norma identitária e a
fixidez representacional. com as costuras e os diversos enxertos, surgem em
camadas, sem dúvida com o tom da ironia ou do pastiche, as referências
ao problema prometeico, tal como tratado por mary shelley, por exemplo. não
obstante, também aqui a aposta não é apaziguadora, o que se evidencia na
exposição das suturas e dos interiores opacos de algumas formas. sobretudo,
trata-se do problema pós-humano, anunciado pelos trabalhos de inúmeros
artistas, como jacques lipchitz, maria rubinke, patricia piccinini, angelika
arendt, walmor corrêa etc.; assim como pelos pensamentos de georges bataille, kafka,
juan josé arreola, wilson bueno, borges, vilém flusser (principalmente em seu
tratado sobre o vampyroteuthis infernalis),
rafael alonso, josé gil ou jacques derrida, entre outros. os monstros contagiam
os astros: mostram o que há de cosmético no cosmos.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
647 - das condições de leitura, 47
meu coração, looping (2015)
uma vídeo-performance de cristiane lindner
a
vídeo-performance meu coração, looping (2015) de cristiane lindner
retoma e desdobra alguns dos procedimentos mais caros à artista, reconhecíveis,
por exemplo, em arqueologia de um tempo qualquer. assim, a citação – nem sempre
explícita –, o comentário, a apropriação e a atribuição errônea convivem como
recursos limiares, a rigor não discerníveis, assim como a contingência e a
precariedade dos sentidos e da matéria são elementos que assumem um caráter ao
mesmo tempo construtivo e destrutivo. na vídeo-performance – realizada em desterro, hoje mais conhecida como florianópolis, em infame homenagem ao marechal floriano peixoto – as alusões
ou afinidades com proposições como as de christian boltanski, nuno ramos, miguel
rio branco, andrés denegri, rosângela rennó, entre
outros, podem ser percebidas para além do plano formal. o vídeo (do latim video: “eu vejo”), como se sabe, aponta sempre
para uma espécie de vazio (no francês vide).
em certo sentido, trata-se aqui de uma busca, mas também de uma fuga: uma
corrida que se apresenta de modo velado: indecidível entre o fitness e a escapada, entre o bem-estar
e risco de vida, é o ritmo algo acelerado – dos passos, da respiração, do
coração – que tange esse nomadismo arriscado, despersonalizado e possivelmente
sem fim, algo que é reforçado com o loop do registro do caminho percorrido. uma proposta ética parece
acompanhar tais imagens vertiginosas: afinal, nas imagens eu vejo meu coração
batendo fora de mim.
terça-feira, 24 de abril de 2012
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sábado, 7 de abril de 2012
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