terça-feira, 21 de junho de 2011

338 - das visões de mundo, 17


A você nua eu falo de um desenho. Digo do que me agrada, do que a sombra revela e o incômodo: uma mulher nua, a sombra crua cobre todo o tronco cansado e os ossos, os ombros, os seios vazios que se deitam vencidos, se dobram, acompanham a longa curva da barriga e não se projetam: a barriga vazia é estufada e tesa; dos seios, o leito. É só o que aparece. Eu falo da sombra, do desenho sem rosto, sem traços, braços e pernas, resumido ao escorrido – dos seios baços que se prolongam sobre o relevo do corpo de eras, e antes adivinho que margeiam o umbigo insulado, quedam-se das encostas do ventre, ao fim das costas escapam, enroscam-se nas coxas e se entornam no chão de terra, moles, a língua da noite a trocar de pele. Escoados na poeira seca. Seios de mulher, mas só um tronco. Eu digo que ela está morta e ainda agora se queixa do peso dos anos: não os solta. Carrega esse peso que fica: a sombra crua, longos anos, o couro curtido dos seios, longos, trançados, os cabelos de um azul-tição. Nua você se olha no espelho, acho que não ouve, e veste a camisola transparente. Sem demora quer que eu tente outras coisas, um filme romântico talvez, ou vinho de mesa suave: algo doce. Mas o grafite, carvão queimado, permanece: a fogo o carbono afaga a sombra viva, um tronco cansado, os ossos, os seios grossos fios de água parada, vertendo até o fim, os bicos pretos – dos urubus.


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