Você ergue a faca, trespassa a longa ponta em meus olhos (e eu, distante em inconsciente ponte, vejo formigas dali saírem, diminutas faíscas negras). Tudo para trazer-me ao lume de alguma cegueira, de alguma febre ou fome de você inteira que senti no início de tudo que passa, de nós e antes. Fracassa. Nesta hora, tarde do dia, é a sobremesa que comemos, ela já quente de tanto se fazer doce, tanto, e rente às bordas do desaguado leito, escasso do sexo e do peito em descompasso, de tanto aguardar nosso apetite. A apatia é um prato que procria calmo, é o mormaço. E o que sorvemos é fumo, o fundo e o osso, enquanto o consumo de sonhos ao redor do mundo decresce. Você se abisma, não crê nas geografias que os mapas nos obrigam a seguir, nem na possibilidade de uma terra habitada apenas por um faquir: ele engole peixes-espada e arrota poemas-ouriço, sublimes nos múltiplos gumes que oferecem – ora veneno, ora uma prece. Mas eu trago esses números novos, notícia recém-raspada do liso de uma oficina lítica, para adverti-la: há tempos não há esperança em nosso projeto, e nós dois, humanos, acumulamos dejeto e trocamos bilhetes sigilosos para aplacar alguma alegria descabida, acautelados na vida por não vivermos em época própria para extravagâncias.
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