O saldo foi o seguinte: amparado pela fluência da tradutora russa, o ornitólogo mostrou-se bem convincente na exposição de sua teoria. Por meio do que o especialista definiu ser o “espelhamento especulativo”, todos ficaram achando que beija-flores e humanos, cada um a sua maneira, compartilham uma existência intimamente ligada à experiência não-linear do tempo. Aliás, na retórica do ornitólogo, essa expressão – “espelhamento especulativo” – ia muito além da estranha redundância, revelando-se mesmo pertinente e instigante. Era algo como vislumbrar o caráter humano a partir de um mimetismo do inumano, ou em outras palavras, refletir sobre o que é dos homens a partir do espelhamento do que é característico dos beija-flores. Na outra ponta da mesa, para ele essa ideia de mimetismo pareceu ser especialmente sedutora. Conforme via os lábios da tradutora se mexendo, em harmonia com os demais gestos do corpo, ele sentia que o seu próprio corpo vibrava muito rápido, numa velocidade muito maior do que aquela que os olhos nus são capazes de ver. O tempo fugia em câmera lenta, ou apenas estava suspenso no ar. Enfim seu corpo desaparecia em centenas de palpitações por segundo, e todo o seu ser se desmanchava, sendo soprado com o vento por sobre os outros convidados, por sobre a mesa e as flores do mundo, indo aos poucos enredar-se nos pelos, nos poros e cabelos daquela criatura de fogo, que dominava todas as línguas e todos os tempos, consumindo os homens como quem traz uma boa nova.
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