Charles tem uma vontade que está entalada. Talvez seja fome, talvez sono, talvez falta de sexo ou excesso de esperança. Enquanto perambula pela cidade, debate-se: sua perna direita quer ir para a esquerda, a esquerda, para a direita; esse desencontro o faz andar confusamente, em esquisitos círculos. Mas isso, de certo modo, não é novidade. Essa coisa entalada que, no entanto, se impõe. Em outra ocasião, por exemplo, teve de lidar com sua mão direita, que havia manifestado essa espécie de vida autônoma. Ela cutucava em lugares inapropriados as senhoras que passavam na calçada. E foi sua cara, num misto de inocência e espanto, que recebeu, verbal e fisicamente, as respostas escandalizadas das senhoras (por não ter um espelho à disposição, não pôde ver direito o roxo bem marcado que ficou em seu olho esquerdo). De qualquer maneira, neste momento, sua preocupação é conseguir chegar ao porto, de onde todas as tardes vê partir uma nuvem, não sabe bem para onde.
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