terça-feira, 5 de julho de 2011

352 - das passagens, 24


Ela à beira do abismo, e deixou-se ir. Não caiu: foi apenas descendo, seu corpo deitado, o vestido branco e os braços estendidos ao lado, afundando no ar aos poucos, sem barulho, com um peso vagaroso e vago: uma poeira de mármore, o oco de uma nuvem de gesso, a pele de uma folha caduca, branca e rija, e pouco os cabelos se mexiam. Do alto, ele via aquela figura encolher, cada vez menor, até quase tocar o chão, quando então – ele sabia – ela desapareceria: mas subitamente um movimento invisível trouxe-a de volta ao topo, e ela ficou de pé, em silêncio, encarando-o como quem espera. Neste momento ele transformou-se num diabo: sua pele secou e rachou em veios fundos, cinzentos, o tom do corpo era verde. Vestia farrapos, estava descalço e rodava em volta de si, as costas curvadas e as palmas das mãos viradas para o céu. Na sua nuca uma voz falou duas vezes, deixando-o em completa solidão.


Nenhum comentário: