Neste exato momento, tenho cãibras no lado esquerdo da
testa. Olhando no espelho, é como se enfim eu tivesse a coordenação necessária
para erguer apenas uma das sobrancelhas. Mas o involuntário do movimento (e sua
repetição) empresta à cena algo de ridículo, de doentio, de demoníaco ou de
absolutamente ordinário: com a cara meio embasbacada e inerte, fico esperando
quando virá à tona, nessa minha testa, a próxima série de contrações, comandada
– é o que parece – por um corpo estranho, ao menos por uma vontade que não é
minha e me surpreende. Finalmente, levantando a sobrancelha esquerda mais uma
vez (e mais uma e outra e outra... e outra), como se num acesso de perspicácia,
baixo a vista e, meio perdido, penso quantas vezes já não se terá contraído,
sem eu querer, esse coração aqui. E já nem sei se devo dizer assim, que o meu
coração bate alheio. Acho que só pode bater tanto, mesmo, porque ele é
alheio, porque não depende de mim.