sexta-feira, 1 de abril de 2011

257 - das passagens, 12


“Dê uma olhada neste jazigo. Ordinário, não? E mesmo assim me diz tanto... Nem sei exatamente por quê. Não conheço essa pessoa que está aí, se é que ainda há alguém aí. Há um espaço bem marcado, isso sim. É bem preciso, nem que seja para dizer individualmente: ‘Não há ninguém aqui!’. E talvez seja por isso... Deve ser. Não conheço essa pessoa. De qualquer forma, ela parece ter sido feliz, não é? Olhos tão vivos... Você sabe o que há nos olhos? Eu lhe digo: nada. Exatamente isso, nada. São como as cebolas: se você tentar achar o meio de uma cebola, não encontrará. Já pensou nisso? Quando der por si, você terá atravessado ela inteira, e acabou. Mesmo se você for disciplinado, e abri-la camada por camada, pele por pele, dividindo-a em quadrantes de acordo com as três dimensões da ótica. O meio da cebola, sua parte essencial, isso não existe. Há quem diga que é por isso que choramos ao descascá-las. E há quem diga que isso não tem o menor sentido. Esses olhos tão vivos... Nem sei onde começam. Mas agora aí, como em qualquer jazigo: fixados por um retrato entre um movimento e outro, e encerrados nos limites dessas quatro linhas onde deve caber o corpo. Olhos negros: têm a cor daquilo que no fundo aparece mas não podemos identificar. E ainda assim eles têm um nome preciso... Esse nome não basta. Talvez por isso esses olhos sejam lembrados por um longo, um lindo e insuficiente epitáfio.”


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