Mudam novos vizinhos para o 202. Um casal. E tudo leva a crer que eles têm só uma chave para a porta da garagem. Sabe disso porque todos os dias, no fim da tarde, a mulher chega, estaciona o carro, liga o alarme e grita: “Renato!”. Às vezes duas, três vezes, quase sem dar tempo entre um grito e outro: “Renato!Renato!”. O Renato deve botar a cara na janela. Então a mulher redunda: “Abre aqui”. O carro fica com ela. A chave da garagem, com o Renato. Não entende a razão disso, mas imagina com certa facilidade – graças às suas lembranças da ex-mulher, provavelmente – uma complexa estrutura de poder e afetos que poderia regular a partilha dos bens – materiais, mas também simbólicos – na relação deles. De qualquer modo, pega birra da coisa. Primeiro passa a imitar a voz da mulher. Ela chega, estaciona e grita; então, da sala do 302, ele manda um eco deformado, mais estridente: “Renato!”. Justifica-se pensando que isso poderia causar algum embaraço nos dois, algum ridículo, de tabela colaborando com o silêncio, que anda cada vez mais raro no condomínio. Mas, no fundo, faz porque é divertido mesmo. Só que logo cansa da brincadeira. Cansa mais ainda dos vizinhos, já sabe exatamente qual o barulho do motor e o alarme do carro deles. Tem vontade de gritar mas para mandá-los à merda. Até que uma noite, uma quarta-feira de vários jogos importantes do campeonato, com o gol que não é nem do seu time, nem contra ele, num ímpeto corre à janela e, em meio aos rojões, desabafa com força: “Chupa Renatooo!”.
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