Susto: força que se caracteriza e manifesta pelo estado de ameaça, capaz de causar estranhamento ou desencontro momentâneo entre os movimentos do corpo e do espírito. Decorrência imediata que deve ser frisada: se tal força passar da potência ao ato já não mais poderá ser considerada uma ameaça, e sim deverá ser medida pelos efeitos manifestados por sua ação. Em outras palavras: susto é uma manifestação da não-manifestação. Tal condicionamento paradoxal pode ser facilmente visualizado na seguinte situação, como hipótese absolutamente palpável: um sujeito que acorda no meio da noite, vai ao banheiro e se depara com outro alguém que tão logo se apresenta como um maníaco psicopata, em surto, com uma máscara de filmes de terror “B”, uma cabeça de manequim ensanguentada com ketchup numa mão e uma foice na outra, rumando em sua direção com pés arrastados (mas velozes) e grunhindo ferozmente. Pois bem, se a aparição dessa figura for apenas uma brincadeira de um irmão, ou um primo, ou um amigo insone, o sujeito terá certamente vivido um susto, e este assim poderá ser definido, com toda propriedade, já que a vida do sujeito em nenhum momento foi concretamente comprometida por aquela obscenidade. Agora, se o maníaco for mesmo um maníaco (e a cabeça for mesmo de uma pessoa morta, e o ketchup for sangue de verdade, e por mais estereotipado que seja esse seu surto de ação maníaca: uma máscara, uma cabeça decepada, uma foice... convenhamos!), se o maníaco for mesmo um maníaco podemos supor que o sujeito que imaginamos primeiro deverá ter a sua vida não apenas ameaçada, mas com grande probabilidade ele a perderá, isto é, ele morrerá mesmo, assassinado sem piedade pelo psicopata descontrolado. Em suma, neste caso a potência (da ameaça) passará plenamente ao ato (a execução), que depois de consumado não deixará mais risco e tampouco possibilidade de susto para aquele sujeito que restará sem vida, no chão gelado, a caminho do banheiro. Alguém poderá afirmar que houve, entretanto, um susto no entre-lugar, isto é, no ponto em que o psicopata ainda não havia se revelado como tal, somente grunhia e agia como um. A esse alguém eu responderia o seguinte: defendo a concepção (talvez a da maioria dos colegas) de que nessas condições os últimos instantes nem poderão ser definidos ou atravessados pelo susto, não poderíamos assim chamá-lo, porque isto, com efeito, já seria outra coisa, talvez indizível, mas que podemos sugerir fosse um pressentimento da morte limítrofe, como se corpo e espírito não se estranhassem ou desencontrassem em função da ameaça, mas reagissem, em conjunto, em fuga ou combate, à morte iminente: assim, não seria um susto, mas uma antecipação da agonia, uma agonia (um gozo?) precoce. Em suma: para que haja susto é preciso uma indeterminação que faça corpo e espírito discordarem quanto à reação necessária para uma situação específica e, mais que isso, é preciso que tal indeterminação apenas ameace a integridade do sujeito, mas não a comprometa de fato, para que haja um tempo – posterior, simultâneo – em que as coisas ficam, digamos, sem chão. E isso, claro, excetuados os casos das pessoas que morrem não do ato resultante de uma potência mas da suspeita que não se confirma, ou seja, da própria ameaça. Esses são os casos das pessoas que morrem de susto, literalmente, e devem ser analisados à parte, já que nestes casos as pessoas morrem na hora errada, creio que sem agonia (nem gozo), muitas vezes antes do tempo.
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